De
9 de Abril a 18 de Junho de 1989, o Santo Padre João Paulo II fez
uma série de catequeses sobre os dons do Espírito Santo.
Apresentamo-las aqui na certeza de que ninguém
falaria tão bem e com tanta autoridade sobre este tema como o Papa.
O DOM DA SABEDORIA Na perspectiva da solenidade do Pentecostes, para a
qual está a caminhar o período pascal, queremos juntos reflectir
sobre os sete dons do Espírito Santo, constantemente
propostos
pela Tradição da Igreja com base no famoso texto de Isaías,
relativo ao "Espírito Santo". O
primeiro e mais excelso desses dons é o da sabedoria, que é
uma luz que se recebe do Alto: é uma especial participação
naquele conhecimento misterioso e supremo, que é próprio
de Deus. Lemos, com efeito, na Sagrada Escritura: "pedi a prudência
e ela me foi dada; supliquei e veio a mim o espírito da sabedoria.
Preferi-a aos ceptros e aos tronos, e, em comparação com
ela, tive como nada as riquezas". Esta
sabedoria superior é a raiz de um conhecimento novo, conhecimento
impregnado de caridade, graças ao qual a alma adquire, por assim
dizer, familiaridade com as coisas divinas e as saboreia. São Tomás
fala justamente de "um certo sabor de Deus", pelo qual o verdadeiro
sábio não é simplesmente aquele que conhece as coisas
de Deus, mas aquele que as experimenta e as vive.
O
conhecimento sapiencial, além disso, dá-nos uma especial
capacidade de julgar as coisas humanas segundo o modo de Deus, na luz de
Deus. Iluminado por este dom, o cristão sabe ver dentro as realidades
do mundo: ninguém melhor do que ele é capaz de apreciar os
valores autênticos da criação, vendo-os com os olhos
mesmos de Deus.
Desta
superior percepção da "linguagem da criação",
encontramos um exemplo fascinante no "Cântico das criaturas"
de São Francisco de Assis.
Graças
a este dom, a vida toda do cristão com as sues vicissitudes, as
suas aspirações, os seus projectos e as suas realizações,
vem a ser atingida pelo sopro do Espírito, que a permeia com a luz
"que desce do Alto", como é testemunhado por muitas almas
eleitas também nos nossos dias e, diria, hoje mesmo por Santa Clélia
Barbieri e pelo seu fúlgido exemplo de mulher rice desta sabedoria,
ainda que jovem em idade.
Em
todas estas almas se repetem as "grandes coisas" operadas em Maria
pelo Espírito Santo. Ela, que a piedade tradicional venera como
"Sedes Sapientiae", (Sede da Sabedoria), leve cada um de nós
a saborear interiormente as coisas celestes.
1.
Nesta reflexão dominical desejo hoje deter-me no segundo dom do
Espírito Santo: o Intelecto. Sabemos bem que a fé é
adesão a Deus no claro-escuro do mistério; contudo, ela é
também procura, no desejo de conhecer mais e melhor a verdade revelada.
Ora, tal impulso interior vem-nos do Espírito, que, com fé
concede precisamente este especial dom da inteligência e quase da
intuição da verdade divina.
A
palavra "intelecto" deriva do latim intus legere, que significa
"ler dentro", penetrar, compreender a fundo. Mediante este dom o
Espírito Santo, que "penetra até às profundezas
de Deus", comunica ao crente uma centelha de tão grande capacidade
de penetração, abrindo-lhe o coração à
jubilosa percepção do desígnio amoroso de Deus. Renova-se
então a experiência dos discípulos de Emaús,
que, depois de terem reconhecido o Ressuscitado na fracção
do pão, diziam um ao outro: "Não estava o nosso coração
a arder cá dentro, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava
as Escrituras?"
2.
Esta inteligência é dada não só ao indivíduo,
mas também à comunidade: aos Pastores que, como sucessores
dos Apóstolos, são herdeiros da específica promessa
que lhes foi feita por Cristo, e aos fiéis que, graças à
"unção" do Espírito, possuem um especial "sentido
da fé" (sensus fidei) que os guia nas opções concretas.
A
luz do Espírito, com efeito, enquanto aguça a inteligência
nas coisas divinas, torna também mais límpido e penetrante
o olhar sobre as coisas humanas. Graças a ela, vêem-se melhor
os numerosos sinais de Deus que estão inscritos no universo criado.
Descobre-se deste modo a dimensão não puramente terrena dos
acontecimentos, que formam o tecido da história humana. E pode-se
chegar até a decifrar profeticamente o tempo presente e o tempo
futuro: sinais dos tempos, sinais de Deus!
3.
Caríssimos fiéis, dirijamo-nos ao Espírito Santo com
as palavras da Liturgia: "Vinde, Santo Espírito, enviai-nos do
céu um raio da vossa luz" (Sequência do Pentecostes).
Invoquemo-l'O
por intercessão de Maria Santíssima, a Virgem da escuta,
que na luz do Espírito soube perscrutar, sem se cansar, o sentido
profundo dos mistérios nela operados pelo Omnipotente. A contemplação
das maravilhas de Deus será também em nós fonte de
alegria inexaurível: "A minha alma glorifica ao Senhor e o meu
espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador".
Continuando a reflexão
sobre os dons do Espírito Santo, hoje tomamos em consideração
o dom do Conselho. Ele é dado ao cristão para iluminar a
sua consciência nas opções morais, que a vida de cada
dia lhe impõe.
Uma necessidade
muito sentida neste nosso tempo, conturbado por não poucos motivos
de crise e por uma difundida incerteza acerca dos verdadeiros valores,
é a que se intitula "reconstrução das consciências".
Isto é, sente-se a necessidade de neutralizar certos factores destruidores,
que facilmente se insinuam no espírito humano, quando este é
agitado pelas paixões, e de introduzir nele elementos sãos
e positivos.
Neste empenho de
reabilitação moral, a Igreja deve estar e está na
primeira fila: daqui a invocação que brota do coração
dos seus membros— de todos nós —para obter antes de mais o socorro
de uma luz do Alto. O Espírito de Deus vem ao encontro dessa súplica,
mediante o dom do Conselho, com o qual enriquece e aperfeiçoa a
virtude da prudência e guia a alma a partir de dentro, iluminando-a
sobre o que deve ser feito, especialmente quando se trata de opções
importantes (por exemplo, dar resposta à vocação),
ou de um caminho a percorrer entre dificuldades e obstáculos. E,
na realidade, a experiência confirma quanto "são tímidos
os pensamentos dos mortais e incertas as nossas concepções",
como diz o livro da Sabedoria.
O dom do Conselho
age como um sopro novo na consciência, sugerindo-lhe o que é
lícito, o que condiz, o que é mais conveniente à alma.
A consciência torna-se então como que o "olho-são",
de que fala o Evangelho, e adquire uma espécie de nova pupila, graças
à qual lhe é possível ver melhor o que há-de
fazer numa determinada circunstancia ainda que seja a mais intrincada e
difícil.
Ajudado por este
dom, o cristão penetra no verdadeiro sentido dos valores evangélicos,
em particular dos expressos no Sermão da Montanha.
Peçamos
pois, o dom do Conselho! Peçamo-lo para nós e, em particular,
para os Pastores da Igreja, com muita frequência chamados, em virtude
do seu dever, a tomar decisões árduas e sofridas.
Peçamo-lo
por intercessão d'Aquela que, na Ladainha, é saudada como
Mater Boni Consilii, Nossa Senhora do Bom Conselho.
"Veni, Sancte
Spiritus!". É esta, caríssimos Irmãos e Irmãs,
a invocação que hoje, solenidade do Pentecostes, insistente
e confiante se eleva de toda a Igreja: Vinde, Espírito Santo, vinde
e "dai à vossa Igreja, que espera e deseja, os vossos sete dons"
(Sequência do Pentecostes).
Entre estes
dons do Espírito há um, sobre o qual desejo deter-me: o dom
da Fortaleza. No nosso tempo, muitos exaltam a força física,
chegando a aprovar também as manifestações extremas
da violência. Na realidade, o homem faz todos os dias a experiência
da própria fraqueza, especialmente no campo espiritual e moral,
cedendo aos impulsos das paixões interiores e às pressões
que sobre ele exerce o ambiente que o circunda.
Precisamente
para resistir a estes múltiplos impulsos é necessária
a virtude da fortaleza, que é uma das quatro virtudes cardeais,
sobre as quais está apoiado todo o edifício da vida moral:
a fortaleza é a virtude de quem não desce a compromissos
no cumprimento do próprio dever.
Esta virtude
encontra pouco espaço numa sociedade em que está difundida
a prática, quer da condescendência e da acomodação,
quer da prepotência e da insensibilidade nas relações
económicas, sociais e políticas. O carácter pávido
e a agressividade são duas formas de carência de fortaleza,
que muitas vezes se verificam no comportamento humano, com o consequente
repetir-se do triste espectáculo de quem é débil e
vil com os poderosos, atrevido e prepotente com os indefesos.
Talvez nunca
como hoje a virtude moral da fortaleza tenha necessidade de ser sustentada
pelo homónimo dom do Espírito Santo. O dom da Fortaleza é
um impulso sobrenatural, que dá vigor à alma não só
em momentos dramáticos como o do martírio, mas também
nas habituais condições de dificuldades: na luta por permanecer
coerente com os próprios princípios; na acção
de suportar ofensas e ataques injustos; na perseverança corajosa,
mesmo entre incompreensões e hostilidades, no caminho da verdade
e da honestidade.
Quando experimentamos,
como Jesus no Getsémani "a fraqueza da carne", ou seja, da natureza
humana submetido às enfermidades físicas e psíquicas,
devemos pedir ao Espírito Santo o dom da Fortaleza, para permanecermos
firmes e decididos no caminho do bem. Então poderemos repetir com
São Paulo: "Alegro-me nas minhas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades,
nas perseguições, nas angústias por Cristo, porque
quando me sinto fraco, então é que sou forte".
Muitos são
os seguidores de Cristo—pastores e fiéis, sacerdotes, religiosos
e leigos, empenhados em todos os campos do apostolado e da vida social—
os quais, em todos os tempos e também no nosso tempo, conheceram
e conhecem o martírio do corpo e da alma, em íntima união
com a mater dolorosa, (Mãe dolorosa), junto da Cruz. Eles superaram
tudo, graças a este dom do Espírito!
Peçamos
a Maria, que agora saudamos como Regina Caeli (Rainha do Céu), que
nos obtenha o dom da Fortaleza em todas as vicissitudes da vida e na hora
da morte.
A reflexão,
já iniciada nos domingos precedentes, sobre os dons do Espírito
Santo, leva-nos hoje a falar de outro dom; o da Ciência, graças
ao qual nos é dado conhecer o verdadeiro valor das criaturas no
seu relacionamento com o Criador.
Sabemos que o homem
contemporâneo, precisamente em virtude do desenvolvimento das ciências,
está particularmente exposto à tentação de
dar uma interpretação naturalista do mundo: diante da multiforme
riqueza das coisas, da sua complexidade, variedade e beleza, ele corre
o perigo de as absolutizar e quase divinizar, a ponto de as tornar o objectivo
supremo da sua própria vida. Isto acontece, sobretudo quando se
trata das riquezas, do prazer e do poder, que, por isso mesmo, se podem
tirar das coisas materiais. São estes os principais ídolos,
diante dos quais o mundo com muita frequência se prostra.
Para resistir a
essa subtil tentação e para remediar as consequências
nefastas a que ela pode levar, eis que o Espírito Santo socorre
o homem com o dom da Ciência. É esta que o ajuda a avaliar
rectamente as coisas, na sua essencial dependência do Criador. Graças
a ela—como escreve São Tomás—o homem não estima as
criaturas mais do que valem nem põe nelas, mas em Deus, o fim da
própria vida.
Ele consegue assim
descobrir o sentido teológico do universo criado, vendo as coisas
como manifestações verdadeiras e reais, ainda que limitadas,
da Verdade, da Beleza e do Amor infinito que é Deus, e, como consequência,
sente-se impelido a traduzir esta descoberta em louvor, em canto, em oração
e em agradecimento. É isto que tantas vezes e de múltiplos
modos nos é sugerido pelo livro dos Salmos. Quem não recorda
algumas dessas elevações? "Os céus proclamam a
glória de Deus, o firmamento anuncia as obras das suas mãos";
"Louvai o Senhor, do alto dos céus, louvai-O nas alturas... Sol
e lua louvai-O, estrelas luminosas louvai-O" (Sl. 148, 1.3).
Iluminado pelo
dom da Ciência o homem descobre ao mesmo tempo a distância
infinita que existe entre as coisas e o Criador, a sua limitação
intrínseca, a insídia que elas podem constituir, quando ao
pecar, ele faz mau uso delas. É uma descoberta que o leva a perceber
com mágoa a sua miséria e o impele a voltar-se, com maior
impulso e confiança, para Aquele que é o único que
pode satisfazer plenamente a necessidade de infinito que o atormenta.
Esta foi a experiência
dos Santos; também o foi— podemos dizer—dos cinco Beatos, que hoje
tive a alegria de elevar às honras dos altares. Mas de modo muito
singular, esta experiência foi vivida por Nossa Senhora, que, com
o exemplo do seu pessoal itinerário de fé, nos ensina a caminhar
entre "as instabilidades deste mundo, fixando os nossos corações
onde se encontram as verdadeiras alegrias" (Oração do
XXI domingo do tempo comum).
A reflexão
sobre os dons do Espírito Santo leva-nos, hoje, a falar de outro
dom insigne: a Piedade. Com ele, o Espírito Santo cura o nosso coração
de toda a forma de dureza e abre-o à ternura para com Deus e para
com os irmãos.
A ternura como
atitude sinceramente filial para com Deus, exprime-se na oração.
A experiência da própria pobreza existencial, do vazio que
as coisas terrenas deixam na alma, suscita no homem a necessidade de recorrer
a Deus, para obter graça, auxílio e perdão.
O dom da Piedade
orienta e alimenta tal exigência, enriquecendo-a de sentimentos de
profunda confiança em Deus, sentido como Pai providente e bom. Neste
sentido escrevia São Paulo: "Deus enviou o seu Filho... para
que recebêssemos a adopção de filhos. E, porque sois
filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito
que chama: Abba! Pai. Portanto, já não és servo, mas
filho..."
A ternura, como
abertura autenticamente fraterna para o próximo manifesta-se na
mansidão. Com o dom da Piedade, o Espírito infunde no crente
uma nova capacidade de amor para com os irmãos, tornando o seu coração
de algum modo participante da mansidão mesma do Coração
de Cristo. O cristão "piedoso" considera sempre os outros
como filhos do mesmo Pai, chamados a fazer parte da família de Deus,
que é a Igreja.
Ele, por isso,
sente-se impelido a tratá-los com a atenção e a amabilidade
próprias de uma genuína relação fraterna.
O dom da Piedade,
além disso, extingue no coração aqueles centros de
tensão e de divisão que são a tristeza, a cólera,
a impaciência, e nele alimenta sentimentos de compreensão,
de tolerância e de perdão. Esse dom está, pois, na
raiz daquela nova comunidade humana, que se baseia na civilização
do amor.
Peçamos
ao Espírito Santo uma renovada efusão deste dom, confiando
a nossa súplica à intercessão de Maria, modelo sublime
de oração ardente e de doçura materna. Ela, que a
Igreja nas Ladainhas lauretanas saúda como Vas insigne devotionis
(Vaso de insigne devoção), nos ensine a adorar a Deus "em
espírito e verdade", e a abrir-nos, com coração
manso e acolhedor, a quantos são seus filhos e, portanto, nossos
irmãos. Peçamo-lo com as palavras da "Salve Regina": "...
O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!".
Tendo regressado
da peregrinação apostólica nos Países da Europa
setentrional, sobre a qual proximamente falarei pare expor as minhas considerações,
peço-vos, desde agora, que juntamente comigo deis graças
ao Senhor por tudo o que me foi dado realizar, em conformidade com a missão
pastoral a mim confiada.
Hoje, desejo completar
convosco a reflexão sobre os dons do Espírito Santo. Entre
estes dons, último na ordem de enumeração, é
o dom do Temor de Deus.
A Sagrada Escritura
afirma que "o temor do Senhor é o princípio da sabedoria".
Mas de que temor se trata? Não certamente daquele "medo de Deus"
que impele a evitar de pensar n'Ele, e de recordar-se d'Ele como alguma
coisa ou alguém que perturba e inquieta. Foi este o estado de animo
que, segundo a Bíblia, levou os nossos primeiros pais, depois do
pecado a "esconderem-se do Senhor Deus, por entre o arvoredo do jardim";
foi este também o sentimento do servo infiel e mau, da parábola
evangélica, que escondeu debaixo da terra o talento recebido.
Mas este temor-medo
não é o verdadeiro conceito, do temor-dom do Espírito.
Trata-se aqui de algo muito nobre e elevado: é o sentimento sincero
e inquieto que o homem experimenta diante da tremenda majestade de Deus,
especialmente quando reflecte sobre as próprias infidelidades e
sobre o perigo de ser "encontrado muito leve" no juízo eterno,
ao qual ninguém escapa.
O crente apresenta-se
e põe-se diante de Deus com o "espírito contrito"
e com o "coração humilhado", bem sabendo que deve
esperar a própria salvação "com temor e tremor".
Isto, porém, não significa medo irracional, mas sentido de
responsabilidade e de fidelidade à sua lei.
É tudo isto
conjuntamente que o Espírito Santo assume e eleva com o dom do temor
de Deus, Ele não exclui, certamente, a trepidação
que promana da consciência das culpas cometidas e da perspectiva
dos castigos divinos, mas mitiga-a com a fé na misericórdia
divina e com a certeza da solicitude paterna de Deus, que quer a salvação
eterna de cada um. Com este dom, todavia, o Espírito Santo infunde
na alma sobretudo o temor filial, que é sentimento enraizado no
amor para com Deus: a alma preocupa-se então em não causar
desgosto a Deus, amado como Pai, em não O ofender, em "permanecer"
e crescer na caridade.
Deste santo e justo
temor, conjugado na alma com o amor para com Deus, depende toda a prática
das virtudes cristãs e, de modo especial, da humildade, da temperança
da castidade e da mortificação dos sentidos. Recordemos a
exortação do Apóstolo Paulo aos seus cristãos:
"Caríssimos, purifiquemo-nos de toda a imundície da carne
e do espírito, realizando a obra da nossa santificação
no temor de Deus".